Textos e vídeos que compões este site versarão sobre temas religiosos e principalmente sobre a espiritualidade. Mesmo as pessoas que não professam nenhuma religião não prescindem de alguma forma de espiritualidade. É disso, pois, que trataremos.
Em algumas das principais metrópoles do mundo, têm aparecido peças de publicidade questionando a existência de Deus. Um outdoor em certa estrada dizia: “Deus é um amigo imaginário – escolha a realidade. Será melhor para todos nós”. A afirmação compara, portanto, todos os cristãos e cristãs a crianças cuja imaginação cria amigos imaginários. Será Deus um mero amigo imaginário, fruto de nossa infantilidade intelectual e emocional?
Questionar a existência real de Deus não é algo novo. O Salmo 53.1 afirma: Diz o tolo em seu coração: "Deus não existe!". A chamada lei dos três estados de Augusto Comte coloca o estado teológico como o mais primitivo, seguido do metafísico, para se chegar ao positivo, isto é, aquilo que se pode provar cientificamente. Se a psicologia foi uma espécie de religião para o século 20, a ciência está se tornando uma forma de crença absoluta para o século 21. Mas isso anula a existência real de Deus?
Na verdade, as evidências favorecem a existência de Deus. Ao contrário do que se pensa, as descobertas científicas demonstram que há uma inteligência sobrenatural capaz de organizar o universo e fazer com que ele funcione. A vida ainda é um mistério não de todo desvendado. A razão e a mente humana ainda estão longe de serem plenamente explicadas. E Deus é uma realidade que se toca pela fé e não pela razão ou pesquisa científica.
O mais importante para os cristãos e cristãs é que Deus se manifestou aos seres humanos na pessoa de Jesus. “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou” João 1.18. Não uma revelação especulativa, mas uma providência salvadora para a existência humana. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Portanto, Deus enviou o seu Filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por meio dele” Jo 3.16-17. Jesus veio para salvar o ser humano da condenação do pecado, para dar-lhe certeza de vida eterna pela fé.
A sensação de paz, a transformação da vida, a retidão de caráter, a esperança, a alegria e o amor no coração, traduzidos em experiência vivencial, são evidências que podem ser mensuradas pela forma como os verdadeiros cristãos e cristãs vivem e agem no mundo. A presença de Deus se manifesta no cotidiano de suas vidas, respondendo às diversas demandas a ele apresentadas. Isso é inegável e, ao contrário do que diz o outdoor mencionado, atesta a maturidade da fé e traz para junto de cada um que crê um amigo capaz de prestar ajuda e socorro nas horas mais difíceis da vida.
Que Deus nos abençoe.
Rev. Vicente de Paulo Ferreira
Então Jesus lhe disse: Mete a tua espada no seu lugar; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão. Mt 26.52
Do fruto da boca o homem come o bem; mas o apetite dos prevaricadores alimenta-se da violência. Pv 13.2
Quero partir da declaração de uma colega professora que, há alguns dias, em sua página do Facebook, pedia gentileza e reclamava de palavras agressivas a ela dirigidas. Violência verbal não é menos dolorosa que o ataque físico. Ambos são desastrosos para quem os sofre. Palavras podem ser facas cortantes na alma da outra pessoa, deixando cicatrizes profundas e sequelas muitas vezes irreparáveis.
Estamos presenciando um tsunami de violência na atualidade. Ela vem nos noticiários, desde as guerras no Oriente Médio, passando pelos refugiados na Europa, atentados na França, agressões contra as mulheres, preconceitos de toda espécie, discriminação, descaso das mineradoras pelas populações ao longo do Rio Doce (agredida pela lama tóxica de barragens de resíduos rompidas), etc. Isso para não dizer do dia a dia de furtos, roubos e homicídios em nossas cidades. Nas escolas, alunos agridem professores e professoras. Para todo o lado que se olha, vemos violência. Isso não tem fim?
Muitos acreditam que tudo se trata de cumprimento das profecias, e que estamos no fim do mundo, portanto não há o que fazer. Num grupo internacional de debate teológico na internet, alguém afirmou que enquanto se tiver a Bíblia ou o Corão como referência, não haverá paz no mundo. Não entrei no mérito de discutir o Corão, mas como cristão propus que a questão se resolvia com uma hermenêutica que colocasse a pessoa e os ensinos de Jesus como ponto de partida para se discutir a paz. Os administradores do grupo não aceitaram a proposta, pois já tinham fixado seu ponto de vista. É o fatalismo. Não há esperança nesse posicionamento.
Penso o contrário. A violência é consequência de um discurso que a incita e tenta torná-la natural e necessária para a vida e para a sobrevivência. É assim que se recrutam os fanáticos que servem a grupos fundamentalistas das diversas religiões, dispostos a tudo para agradar a seus mestres. É para reagir a discursos que pregam a felicidade como posse de bens materiais que muitos enveredam pelo caminho do crime como fórmula rápida de se conseguir riqueza. É o discurso do fatalismo que imobiliza boa parte da população, para que não se envolva em movimentos que reivindicam a paz no bairro, na cidade ou no país. Precisamos desfazer esses discursos, criando uma cultura de paz.
Violência gera violência. Discurso de violência provoca reações violentas. Portanto, precisamos guardar a espada da agressão, seja ela qual for, para desembainhar palavras gentis, gestos de afeto e ações de amor ao próximo. Educação para a convivência entre as pessoas, com mais tolerância e menos agressividade. Gentileza gera gentileza...
Rev. Vicente de Paulo Ferreira
Busquem o Senhor enquanto ele pode ser encontrado; invoquem-no enquanto ele está perto. (Is 55.6 – NAA)
Vocês me buscarão e me acharão quando me buscarem de todo o coração. (Jr 29.13 – NAA)
É comum ouvirmos que as pessoas, muitas vezes, precisam passar por situações desesperadoras, de muito sofrimento e dor, para assim procurarem por Deus. É como se o sofrimento fosse uma condição sine qua non para o encontro com Deus. Mas será mesmo assim? Quem estabeleceu tal regra? Isso condiz com o que as Escrituras proclamam a respeito de Deus? É o que pretendemos abordar neste pequeno texto.
Se tempos de crise e sofrimento levam o ser humano para mais perto de Deus, então sairíamos da pandemia do coronavírus como pessoas mais espirituais, mais envolvidas com os valores do reino de Deus, mais solidárias e mais amorosas, tolerantes e irmanadas num projeto de vida comum a todos e todas. No entanto há muitos sinais que apontam noutra direção: violência, corrupção, egoísmo, intolerância (inclusive religiosa), desrespeito à vida e a todos e todas que lutam por ela. Parece que Deus está longe e abandonou o ser humano à sua própria sorte. Isso derruba a tese de que sofrimento leva o ser humano a Deus. Nem sempre isso acontece.
Mas não estamos à deriva. Deus não abandonou o seu povo, nem está longe dos que o invocam. Queremos colocar em foco três destaques, a partir dos textos bíblicos citados acima: 1) Deus está perto do ser humano; 2) por isso pode ser encontrado por ele; e 3) a busca deve partir do coração.
1. Deus está sempre perto. Há uma concepção teológica que enfatiza o aspecto do Deus abscontitus, ou seja, o Deus que está oculto, que não se revela, que não está visível, que se esconde do ser humano. É certo que o Deus revelado pela Bíblia não está visível, não pode ser conceituado pela nossa mente limitada, mas, por outro lado, a mesma Bíblia o coloca como um Deus que está perto. Foi por isso que Jesus veio ao mundo como Filho de Deus, revelando esse Deus escondido, colocando-o junto de nós durante sua vida terrena, e, depois da sua ressurreição, continua conosco por meio do Espírito Santo. Invisível sim, mas longe não. Escondido, mas perto. “E eis que estou com vocês todos os dias até o fim dos tempos”, nos afirma Jesus no evangelho de Mateus cap. 28 verso 20.
2. Deus pode ser encontrado. Ora, esse Deus escondido, que se revela por meio de seu Filho, Jesus, e por isso se torna um Deus sempre perto do ser humano, pode e deve ser encontrado por nós. Mas isso implica numa busca constante, pois só assim podemos saciar o profundo desejo da alma. É isso o que Agostinho de Hipona (Santo Agostinho) declara: “Nossa alma, ó Deus, foi feita para ti e não encontra descanso enquanto não repousa em ti.” Precisamos entender que a busca consome a nossa existência inteira. Não é um movimento de massa, de encontrar milagres com hora marcada, num êxtase de multidões em torno de alguma personalidade famosa, seja lá quem for. Antes, é uma empreitada pessoal, onde experiências alheias são apenas referências nunca definitivas. A razão e o intelecto são mobilizados, mas a busca não se esgota pela lógica da filosofia.
O melhor exemplo é a luta simbólica de Jacó com Deus no Vale do Jaboque, conforme lemos em Gênesis 32.22-32. Ali é o momento da verdade e da transformação radical de Jacó. O nome do patriarca será mudado, bem como toda a sua vida jamais será a mesma. Ele sabe disso. Por isso sabe também que sua vitória só é possível se perder para Deus. E Jacó impõe e também suplica ao Senhor: “Não o deixarei ir se você não me abençoar.” Dessa luta Jacó sai abençoado com um nome novo, mas também marcado no seu corpo, como diz o texto bíblico: “E mancava por causa da coxa.” Todo encontro com Deus deixa marca, que levamos para o resto da vida. Daí ser uma experiência tão pessoal e íntima.
3. A busca deve ser do coração.
Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo Deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.
Esta é uma estrofe do poema Natal de Fernando Pessoa. A atitude do eu poético é imobilista, paralisante, de quem parou de buscar, desistiu de crer. É a atitude de quem se desiludiu com a fé já que tudo é oculto. O antídoto para essa maneira de viver é a palavra de Deus por intermédio do profeta Jeremias: “Vocês me buscarão e me acharão quando me buscarem de todo o coração.” A atitude correta é, portanto, a busca com o coração, pois isso significa que a busca de Deus se confunde com a busca por nós mesmos, ou seja, quanto mais conhecemos a Deus, mais nos tornamos iluminados no nosso entendimento e na compreensão do mundo. Deus se torna o foco de que precisamos para uma perspectiva correta de tudo o que nos cerca e do nosso próprio ser interior.
A busca se dá pelo coração, porque é a partir dele que mergulhamos nessa aventura de fé. E fé é algo que ultrapassa os limites da razão, daí ser algo a ser experimentado no mais profundo do nosso ser, o que a Bíblia chama de coração. Nele encontramos uma nova perspectiva de vida, que nos é concedida pela graça de Deus, dom gratuito recebido pela fé. A nossa resposta a essa dádiva divina é o outro mergulho: o do amor, que só pode partir do coração. Amor a Deus e amor ao próximo.
Assim voltamos às questões iniciais do nosso texto. Não é o sofrimento que nos leva a Deus, é a nossa fé em resposta à graça que ele nos propicia. E não se trata de um Deus oculto, mas revelado nas Escrituras, na palavra encarnada no Verbo divino, Jesus Cristo, que viveu, morreu e ressuscitou para trazer vida, e vida eterna. Mais: o Espírito Santo atualiza a presença de Deus conosco, e torna possível o nosso encontro com ele, marcando para sempre a nossa vida.
Busquemos, pois, o Senhor de todo o nosso coração. E seremos por ele abençoados. Amém!
Rev. Vicente de Paulo Ferreira
Não julguem, para que vocês não sejam julgados. (Mateus 7.1 – NAA)
Vivemos num mundo que privilegia a aparência de tudo: pessoas, coisas, ações. Há toda uma indústria da beleza, da busca da eterna juventude, da ideia de que o velho não serve mais. Detestamos museus, não apreciamos história (que fala do passado, do antigo), mas adoramos o novo.
No livro, O retrato de Dorian Grey, de Oscar Wilde, o autor, no prefácio, faz uma crítica feroz aos jornalistas e críticos de arte, afirmando que o único critério para se julgar uma obra de arte é a sua beleza. No entanto, o enredo do livro mostra que a beleza absoluta, que atinge o personagem-título, quanto da arte que é mostrada (pintura e teatro) é absolutamente destrutiva. A ética da beleza, portanto, se contradiz na sua prática. A beleza de Dorian acaba destruindo todos que com ele se relacionam, até ele mesmo no final.
Inevitavelmente acabamos fazendo avaliações das coisas e das pessoas que nos cercam. Jesus Cristo também fazia isso. Expulsou os vendilhões do templo, fez um discurso contundente contra os fariseus e escribas, sente-se indignado pela falta de fé de seus discípulos. O que o texto faz é nos advertir contra uma forma de julgamento que frequentemente nos leva a assumir a posição de inquisidor em relação ao nosso próximo.
É comum, infelizmente, associar a violência à pobreza, o mal à cor da pele ou à raça. Alguém mal vestido é desprezado. A boa aparência é enaltecida como virtude a ser seguida. Empresas contratam pela beleza, muitas vezes negligenciando a competência. Idosos são descartados como improdutivos. E daí por diante.
“As aparências enganam”, é o dito popular. E é verdadeiro. Freud, que conhecia tão bem a alma humana, nos fala de traços básicos e ilusórios da personalidade do ser humano. Atualmente ninguém mais dá razão a Lombroso, que catalogava pessoas pelos traços do rosto – como também os nazistas fizeram na busca em busca de uma raça superior, a ariana. Quanta maldade pode habitar o coração de uma pessoa bela como Dorian Grey, enquanto o rosto carrancudo e severo como o de Beethoven esconde um ser humano capaz de compor música e harmonia de beleza ímpar.
A advertência de Jesus para que não julguemos é uma forma de impedir que sejamos reduzidos a inquisidores sem afeto, que condenam as pessoas de maneira inflexível a partir de certas catalogações. Como nos ensina Victor Frankl, há um momento em que apenas o amor pode impedir a redução de nossa personalidade.
Que Deus abençoe a todos e todas.
Rev. Vicente de Paulo Ferreira
E, se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não pode subsistir;
e, se uma casa se dividir contra si mesma, tal casa não pode subsistir. (Mc 3.24-25)
Irmãos, peço, pela autoridade do nosso Senhor Jesus Cristo, que vocês estejam de acordo no que dizem e que não haja divisões entre vocês. Sejam completamente unidos num só pensamento e numa só intenção. (1Co 1.10 - NTLH)
Em coisas essenciais, unidade; nas não essenciais, liberdade; em todas as coisas, caridade. (Rupert Meldenius)
Quando olhamos simplesmente o avanço tecnológico deste século, que permite uma malha de comunicação com alcance mundial, temos a tendência de pensar que a globalização possibilita uma unidade entre os povos nunca antes alcançada. Deveria ser a casa comum. Ledo engano! Do mesmo modo que temos informações em tempo real de tudo e de todos, temos também a radicalização ou a polarização de tudo e de todos em torno de temas ou ideias que nos separam em lugar de nos unir. É a casa dividida contra si mesma.
Estamos cada vez mais em situação de polarização ou divisão: no país, na igreja, nas instituições (inclusive nas de educação), na sociedade, nas relações de gênero, raça ou posição social, na família, na vida pessoal, entre outras. Escrevemos nossa história em preto ou branco, sem nuances de outras cores. É sim ou não. A favor ou contra. Deste lado ou daquele. E pensamos que a vitória de um é a solução para todos. O que na verdade pode se tornar uma complicação ainda maior pelo ressentimento provocado, pelas feridas emocionais causadas, ou pelas dores não tratadas adequadamente.
“A verdade não está no meio e nem no extremo, mas nos dois extremos”, disse Charles Simeon em 1825. Esta é uma verdade que ainda vale para nós hoje. Sua inspiração é o ministério do apóstolo Paulo, em que ele se coloca ora num polo, ora noutro: é judeu para os judeus, gentio para os gentios, fraco para os fracos, forte para os fortes... O equilíbrio está em não se fixar em um extremo como verdade absoluta, mas mover-se para o outro lado como possibilidade de um encontro sincero e real. Vamos lembrar que lidamos com pessoas antes de tudo, e que a vida é o valor maior. Quando destruímos vidas, cometemos um erro difícil de reparar.
Num fórum em que se discutia a paz mundial, alguém argumentou que não haverá conciliação possível enquanto se tiver como referência a Bíblia ou o Corão. A minha proposta – que não foi acolhida pelo moderador – é que se tenha como base para uma negociação de paz a pessoa e os ensinamentos de Jesus Cristo. Se não for em torno do que Jesus de fato é – como nos ensinam os evangelhos – e a partir dos seus ensinos, dificilmente pode haver reconciliação entre as pessoas e os povos. Isso porque Jesus nos ensina a amar o próximo na mesma proporção em que amamos a nós mesmos (resgatando um mandamento antigo), e a amar uns aos outros como ele nos amou (este um mandamento novo). Assim é possível reconhecer o que é essencial, e em torno disso nos unirmos, rumando para um objetivo maior que beneficie a todos. No que não for essencial, cada um tem a liberdade de pensar e agir sem censura. Em tudo, portanto, é preciso colocar o amor cristão (a caridade = afeto ou estima).
A casa dividida não subsiste, facilmente é destruída. Esse é um tempo de conciliação. Que Deus nos ajude a dar o primeiro passo de um extremo em direção ao outro.
Rev. Vicente de Paulo Ferreira
Mas Jesus, voltando-se, os repreendeu, dizendo: "Vocês não sabem de que espécie de espírito vocês são, pois o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-los". Lc 9. 55 (NVI)
Tudo indica que estamos vivendo numa época de confrontos e agressões mútuas no campo da espiritualidade. Recentemente, a Rede Record teve que ceder, por ordem da Justiça, quatro horas de sua programação a título de direito de resposta a entidades ligadas à umbanda e ao candomblé, devido a ofensas que teriam sido feitas a essas religiões. Ainda podemos mencionar a discussão, via redes sociais, entre o jornalista Ricardo Boechat (já falecido) e o pastor Silas Malafaia por causa da menina que foi apedrejada na saída de um centro de umbanda no Rio de Janeiro por supostos membros de igreja evangélica (o que não ficou comprovado). O jornalista atribuiu a violência a um ato de intolerância religiosa promovida por igrejas, enquanto o pastor defende que não há intolerância no Brasil de hoje, e muito menos por igrejas. Pode ser que ambos estejam errados em seu foco.
Professar determinado credo, por melhor que seja, não isenta as pessoas da carga de preconceitos culturais e religiosos que elas carregam como parte de sua formação. Veja o exemplo dos discípulos de Jesus que queriam pedir fogo do céu para destruir uma aldeia da região de Samaria porque seus moradores não quiseram receber a comitiva de Jesus, que ia em direção a Jerusalém. A repreensão de Jesus ao gesto de seus seguidores é emblemática: “Vocês não sabem de que espécie de espírito vocês são...” De fato, não basta aderir a um determinado grupo religioso, é preciso encarnar um determinado “espírito”, isto é, os ensinos recebidos, as lições de amor a Deus e ao próximo a partir das palavras e do comportamento do Mestre, os valores éticos aprendidos, tudo enfim precisa fazer parte de nossa visão de mundo e da nossa forma de agir em relação às pessoas.
Os discípulos de Jesus não tinham ainda absorvido o espírito do Mestre, estavam sob a égide do espírito de Elias (que pediu a Deus fogo do céu para consumir a sua oferenda e confrontar os adoradores de Baal). Eles eram judeus e não se davam com samaritanos, e vice-versa. A intolerância era mútua. Mas o evangelho não é confronto?
O único confronto do evangelho é contra o pecado e suas diversas formas de manifestação, como a injustiça, a exploração, o vício, a violência física, verbal e moral, a lascívia, a imoralidade, etc. Em relação às pessoas, Jesus se apresenta a elas como o Salvador, aquele que veio não para destruir, mas para salvar. Jesus demonstrou em seu ministério o amor de Deus ao ser humano, e nós, como discípulos e discípulas, devemos fazer o mesmo. Não é questão de saber quem está certo ou errado, é questão de apresentar às pessoas um caminho melhor, que é Jesus. Em tempos de intolerância, o espírito de Jesus é o espírito de amor a Deus e ao próximo. Contra isso não há lei.
Rev. Vicente de Paulo Ferreira
[Disse Jesus:] eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância. (Jo 10.10b)
Acabo de ler uma reflexão em que o autor aborda exatamente esse tema, o da extinção de uma espécie cada vez mais rara nos tempos atuais. Mas não se trata, como dá a entender, do desaparecimento de certos animais, peixes, aves ou plantas em seu relacionamento ambiental. Logo, não é uma questão de ecologia em sentido restrito.
Poderíamos até dizer que pode se referir ao ambiente em que vivemos, ou melhor, do mundo que criamos. Cada dia que passa, torna-se mais difícil encontrar uma pessoa satisfeita, feliz com a sua vida. Em meio a tantos problemas, com a violência crescente, a ameaça do desemprego, custo de vida elevado, dinheiro escasso, entre outras coisas, é mais fácil encontrar cem pessoas angustiadas do que uma que viva tranquila e em paz.
Constata-se aqui uma contradição: afirma-se que o Brasil é a maior nação cristã do mundo; outros até dizem que Deus é brasileiro; então, por que é que há tanta desesperança, fato típico de um mundo sem Deus e sem Cristo?
Ora, Israel também dizia que Deus era propriedade sua, entretanto viviam como se ele nem existisse, e até mesmo crucificaram o Filho de Deus. Há uma imensa diferença entre o que se diz e o que se vive. Religião pode se tornar-se, dependendo de como é encarada e vivida, um fator de agravamento da angústia e do desespero humano. Então, qual será a solução?
A resposta está em Cristo, como um Ser com o qual podemos ter um relacionamento pessoal pela fé. Algo que transcende qualquer sistema religioso. É uma experiência pessoal que, como ele mesmo nos promete, dá-nos vida abundante. Em Cristo, podemos encontrar a paz que tanto necessitamos, o amor infinito de Deus que guardará o nosso coração e mente no tempo e para a eternidade.
Agora podemos escolher continuar a figurar nas estatísticas do desespero ou mergulhar no mundo de paz e vida abundante que Jesus nos oferece. Que possamos exercitar a nossa fé e escolher o melhor para nós, pessoalmente, para nossa família e para as pessoas que amamos.
Deus abençoe a todos/as.
Rev. Vicente de Paulo Ferreira
Então, olhando para os seus discípulos, Jesus lhes disse: Bem-aventurados são vocês, os pobres, porque o Reino de Deus é de vocês. (Lucas 6.20 – NAA)
No chamado Sermão da Montanha – no evangelho de Mateus – ou no Sermão da Planície – seu correspondente em Lucas, Jesus nos fala sobre os bem-aventurados ou felizes. E começa afirmando que os pobres são felizes. Então é bom que se esclareça o que é ser feliz e quem são os pobres.
O termo beatitude significa felicidade eterna e suprema; bem-aventurança. Pode ser entendido como gozo da alma dos que se absorvem em contemplações místicas. É a felicidade tranquila e serena; bem-estar. Vem da palavra grega makarios, que significa feliz. Mas é óbvio que o conceito de felicidade em nossa sociedade de consumo tem a ver com a realização de todos os nossos desejos. Os budistas, ao contrário, entendem a felicidade como a extinção dos próprios desejos. Para Jesus, a felicidade suprema se concretiza numa paixão infinita por Deus e em um amor sem limites para com todas as pessoas que nos cercam, ou seja, feliz é aquele ou aquela que não está neuroticamente preocupado com a felicidade pessoal.
Quem são os pobres, alvos da bem-aventurança? O evangelista Mateus fala de “pobres de espírito”, que são aqueles que reconhecem a sua pobreza espiritual. Já Lucas diz apenas "Bem-aventurados são vocês, os pobres". Após o cativeiro babilônico, a frase "os pobres" era frequentemente usada para os piedosos, em contraste com os seus opressores ricos, ímpios e mundanos. Assim, as afirmações em Mateus e Lucas significam, de certa forma, a mesma coisa.
No Brasil, costuma-se situar os pobres na linha da miséria, na penúria, no máximo aqueles que estão “no chão da fábrica”, que sobrevivem do seu salário. Acima disso, as pessoas se sentem privilegiadas e, portanto, fora da linha da pobreza. Engano: todos os que precisam trabalhar, seja que tipo de trabalho for, não é rico. Ricos são aqueles e aquelas que não precisam trabalhar. São os detentores do capital, são investidores, que não cumprem horário, que vivem fora do círculo do trabalho. Com isso, a linha da pobreza está muito acima do imaginado por nós. A maioria do povo está nela.
Por que estes pobres são bem-aventurados? Porque deles é o reino de Deus. Isso quer dizer que a felicidade se concretiza nos valores do reino de Deus, que estão explícitos no evangelho.
A primeira beatitude atinge diretamente o centro da necessidade da pessoa. É essencialmente o destronamento do orgulho. E mais: abre a possibilidade de ser feliz agora, apesar dos problemas e das catástrofes que nos assolam. Não é algo do além. Como estas estrofes do poeta Vicente de Carvalho nos dizem:
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
Deus abençoe a todos e todas.
Rev. Vicente de Paulo Ferreira